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Sobre mortes no trânsito, impunidade e eleições

19/08/2014

 

Por Márcia Pontes

 

A notícia de que o condutor de 22 anos que arrastou uma mulher presa ao carro por cerca de 800 metros na cidade de Rio do Sul (SC) tinha sido solto reacendeu os debates acerca da impunidade para quem fere, mutila e mata no trânsito. Em Blumenau (SC), a especulação de que um condutor de 23 anos que atropelou e matou dois trabalhadores em um ponto de ônibus estava para ser solto casou revolta. Não é para menos: dirigia embriagado, sem habilitação, com licenciamento atrasado, a mais ou menos 150km/h e na contramão enquanto fugia da polícia.

 

O que não faltam são exemplos de casos de pessoas que mataram no trânsito, arrastaram os corpos e até mesmo se livraram de membros arrancados jogando em valas fétidas, mas que ficaram um tempo na cadeia e depois foram soltos. Dispensa-se o juridiquês para tentar explicar os motivos, afinal, isso é tarefa para os juristas. O foco aqui é o sentimento tamanho de impunidade que choca e indigna metade da sociedade enquanto a outra metade se aproveita para continuar infringindo as leis mesmo sabendo que as consequências podem custar a vida de um inocente no trânsito.

 

A dor das famílias que têm de conviver com a perda de um ente querido não se explica, e fica mais doída ainda diante do sentimento de impunidade. Nessa terra de doutores já vi e ouvi muita gente dizendo que as leis são boas, são adequadas, são suficientes, mas o problema é que são mal aplicadas. Então, me digam quem está aplicando mal essas leis tão eficientes assim: o delegado, que indicia errado? O Ministério Público, que não denuncia direito? O Magistrado, que solta quem a polícia prende? O advogado de defesa, que não sabe defender direito? Os legisladores, que não prestam atenção às brechas para a soltura de quem mata no trânsito? Ou será que a culpa foi exclusiva das vítimas, que estavam na hora errada e no local errado enquanto alguém que dirigia agressivamente, embriagado, sem habilitação, em alta velocidade, na contramão, fazia racha e cometia outras barbaridades em via pública?

 

Não tem como fazer vistas grossas para o clamor de uma nação inteira: a pena é muito branda para quem mata no trânsito em um país em que vidas humanas valem o mesmo que uma cesta básica.

 

Muita hipocrisia dessa sociedade em um país em que vidas humanas valem o mesmo que uma cesta básica em um país em que morrem mais de 60 mil por ano e deixa mais de meio milhão de sequelados, amputados e inválidos.

 

O mesmo crime de matar alguém dirigindo embriagado é punido nos Estados Unidos com 20 anos de cadeia. Na Carolina do Norte, há o caso de um condutor que foi condenado à prisão perpétua. Quem mata ao volante na Inglaterra fica 14 anos preso. E por aqui dizem que as leis são ótimas, só que mal aplicadas.

 

Primeiro, que os crimes de trânsito pertencem ao CTB, que só prevê casos de homicídio culposo e omite o homicídio doloso mesmo para os casos em que o réu é confesso e assume que usou o veículo como arma para matar intencionalmente. A pena? De 2 a 4 anos de detenção (art. 302 CTB).

 

É claro que o nosso moderno Código Penal de 1941 e que vem passando por alguns remendos na tentativa de atualização também entra com as suas atenuantes, entram os infinitos recursos garantidos por força de Constituição e outros instrumentos jurídicos. A maioria é condenada até 2 anos de prisão convertidos em pena alternativa com pagamento de cestas básicas e prestação de serviços à comunidade. No fim das contas, quem mata pela primeira vez ao volante tem a liberdade garantida, seja pelas atenuantes ou pelos habeas-corpus.

 

O que também mais revolta a sociedade é esse sentimento de impunidade alimentado por condutores que reincidem nas infrações e nos crimes. São os casos de pessoas flagradas dirigindo embriagadas por diversas vezes, mesmo depois de terem matado no trânsito. Em muitos casos, sequer as multas eles pagam.

 

O que a sociedade também não consegue entender é que um condutor visivelmente embriagado não produza provas contra si mesmo quando a maior prova é a materialidade do crime por conta de leis que são feitas para serem cumpridas, mas o condutor que bebe e dirige é quem decide se vai cumpri-la ou não ao se recusar a soprar o etilômetro, a fazer testes, exames de sangue e perícias. Seria a própria lei servindo como via para a impunidade?

 

Nessas eleições, quase 25 mil candidatos concorrerão a uma vaga, a continuidade de carreira política e até mesmo a uma boquinha nas Câmaras Estaduais, Federais e no Senado, mas ainda são poucos que divulgam a proposta e o compromisso em tentar endurecer a punição para quem dirige e mata, bêbado ou não. Estamos em pleno século 21 e poucos falam em lutar por um novo Código Penal, que atenda as necessidades de salvaguarda de direitos e proteção à vida de acordo com a realidade. Poucos falam em atualização para o CTB.

 

Vejo muita gente defendendo todo o tipo de causa, mas a causa da vida no trânsito, ainda são poucos entre esses quase 25 mil elegíveis. Muitas vítimas e seus familiares estão se candidatando para tentarem fazer alguma coisa para acabar com a impunidade e as penas brandas para quem mata no trânsito. Infelizmente, parece que as pessoas e os políticos precisam perder pessoas de sua própria família para começarem a fazer alguma coisa.  

 

 

Fonte: Portal do Trânsito


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