Podemos construir um mundo melhor, isso só depende de cada um de nós.


Até quando?

21/08/2014

 

Luís Carlos Paulino*

 

Após aproximadamente quinze anos pesquisando a temática violência no trânsito e dando ênfase àquela que se verifica em solo brasileiro, ainda me assusto e fico seriamente indignado ao ler que, nele, somente no período de 2003 a 2012, ocorreram mais de 536.000 mortes. Isso mesmo, mais de quinhentas e trinta e seis mil vidas foram ceifadas. Mais de meio milhão de compatriotas mortos nas vias nacionais.

 

O número aqui mencionado resulta de uma pesquisa realizada pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ). A propósito do estudo, o professor Paulo Cézar Ribeiro, responsável pela pesquisa, ponderou: “é um número assustador de mortos, mas ninguém dá a menor bola para isso”.

 

Gostaria muito de ter elementos para refutar o aludido pesquisador, especialmente no que se refere aos números, e de dizer que ele está equivocado; porém, como estudioso que sou, não me restam alternativas a não ser associar-me a ele em seu brado. Não é de hoje que as vítimas anônimas das diversas formas de violência são reduzidas a estatísticas desencontradas. São tragédias transformadas em números que passam despercebidas, exceto para os familiares e os amigos daqueles que perecem. Assim, pode se dizer que, em se tratando da violência viária, o que se tem é o agravamento do descaso e da insensibilidade reinante.

 

A situação costuma mudar um pouquinho quando a vítima ou o autor tem perfil socioeconômico diferenciado ou, hipótese ainda mais provável, quando as mortes no trânsito ocorrem “no atacado” (como no caso do acidente com um ônibus, em Canindé, no interior do Ceará, onde morreram 18 pessoas e várias outras ficaram feridas – em 18/05/2014). Nesses casos, vez por outra há quem considere que vale a pena dar algum destaque. Tem-se, então, uma manchete na página policial ou, a depender das circunstâncias, até mesmo na capa da publicação (se não coincidir com a final do campeonato ou com a divulgação do resultado da pesquisa eleitoral, obviamente).

 

As mortes “no varejo”, por fazerem parte de um fenômeno social que silenciosa e gradativamente incorporou-se ao cotidiano brasileiro, têm como destino mais frequente a vala comum. Assim, durante essa década, um percentual razoável de casos restou timidamente publicado nos rodapés das páginas policiais ou foi difundido, sem maiores destaques, em noticiosos diversos (na ausência de “algo mais impactante” para se divulgar, reitere-se).        

 

Não obstante, só para que se possa dimensionar a tragédia evidenciada pela pesquisa, toda a área do denominada Sertão Central Cearense, composta por 12 municípios – dentre eles, Quixadá, Quixeramobim, Mombaça e Senador Pompeu – tem população que gira em torno de 380.000 pessoas. Em outras palavras, é como se em dez anos uma doença tivesse exterminado todos os moradores do Sertão Central e, de quebra, ainda tivesse atingido outros municípios. E o que é pior: a repercussão foi, e continua sendo, muito pequena!

 

Ao longo dessa década, uma parcela significativa das mortes no trânsito brasileiro não chegou nem mesmo a compor as chamadas estatísticas oficiais. Em termos numéricos, há um enorme descompasso entre o que a pesquisa mostra e o que o Poder Público divulga. Aliás, estudar as estatísticas da violência no trânsito brasileiro é uma missão inglória. Quem se aventura por esse caminho, sai com a nítida sensação de que não sabemos sequer contar nossos mortos...

 

Para além de computar os acidentes, o pesquisador da UFRJ adverte que é preciso estudá-los. A fim de que se possa enfrentar o cenário que está posto, cada sinistro deve ser criteriosamente analisado para que se tenha como definir, dentre outras coisas, se o motorista foi imprudente, se a estrada provocou ou contribuiu para a ocorrência do acidente, se a velocidade era compatível com a segurança. Toda e qualquer morte no trânsito deve ser computada e deve ser lamentada, mas, no mínimo, também deveria servir para aprimorar a segurança viária.

 

Por fim, em homenagem àqueles que se importam, continuarei fazendo meu trabalho de formiguinha para reverter esse quadro e ficarei na torcida para que dias melhores, efetivamente, venham. Quando aprendermos a contar, quem sabe o passo seguinte seja assimilarmos o que é cultura de prevenção. 

 

* Luís Carlos Paulino é professor especialista em Gestão e Direito de Trânsito e coordenador regional da Associação Brasileira de Educação de Trânsito (ABETRAN). Contato: transitoseguro@hotmail.com

 

 

Fonte: Portal do Trânsito


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